quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Um tudo do todo

 “Nós nascemos para dizer adeus, mas nunca aprendemos como.” 

Em um momento abrupto de clareza, um dia eu disse essa frase para uma pessoa querida que havia perdido algo precioso, sem saber que um tempo depois estaria me despedindo dela também. Eu não havia aprendido a dizer adeus também, e não acho que um dia eu vá.

O tempo é a grandeza física mais traiçoeira que existe.

Eu olho para os cabelos brancos surgindo na cabeça das pessoas que mais amo e penso que debaixo de tudo isso (dos sorrisos, das risadas, dos ‘eu te amos’ e ‘chegou bem em casa’) estão as células com seu telômeros, se encurtando a cada reprodução.

A areia está caindo na ampulheta, sem que eu possa segurá-la (e ainda assim eu quero, quero os guardar aqui comigo, os esconder do tempo. Reverter os cabelos brancos e as rugas de cada um deles, ignorando que a cada dia vejo no espelho uma pessoa mais estranha.).

E enquanto isso o tempo passa e passa (e não cura, só passa).

Nós nascemos para dizer um adeus, sempre que dizemos um olá.

É o preço de amar as pessoas.    

Lorem K Morais


sábado, 1 de maio de 2021

Livro Crocodilo de Javier Arancibia Contreras


 Sobre a morte e luto

"Hoje, meu filho Pedro pulou da janela do seu apartamento."

Foi assim que começou esse livro. Já ali, na primeira frase. E foi essa primeira frase que me fez continuar a ler, e que bom que esse livro veio parar nas minhas mãos!

Veja só, eu tenho certo fascínio sobre os livros que retratam o luto, que mostram aquela verdade que de vez em quando a gente esquece: a morte acontece para quem fica para trás.

Ainda mais em casos como esse; na forma como mostra a família de alguém que cometeu suicídio, aquela busca incessante pela razão, porque tem que ter uma razão, certo? Como admitir que na verdade não se conhecia tão bem aquela pessoa que você amava ao ponto que não ver o sofrimento dela? Esse livro entrega isso. A busca de um pai pelo o porquê, como uma maneira de amenizar a dor da perda, apenas para perceber que ele começava a conhecer seu filho melhor na morte do que conheceu em vida.

"A morte, assim como a vida, não tem qualquer explicação. Tudo o que está vivo é absurdo. Tudo o que morre é consequência de ter estado vivo. E só o que resta é a jornada de cada um."

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Livro As desventuras de Arthur Less

 


O fim das coisas
Essa não é uma história de amor, e nem li achando que fosse.
É um daqueles livros que acredito que vai ter um gosto diferente na boca, dependendo da idade de quem está lendo, do que já passou na vida. Sabe aquelas perguntas que você aí, que já passou da terceira década de vida fica se fazendo? Pois é.
Eu fiquei pensativa depois, principalmente sobre a importância que se dá ao fim das coisas de uma forma errada. De como a gente deixa de aproveitar porque vai acabar, quando deveria ser o contrário. Só por isso já valeria a pena a leitura, mas o livro entrega bem mais.
E você se apaixona por Arthur, como todo mundo parece se apaixonar. Vai se descobrindo com ele, vai se vendo nele, nesse personagem tragicômico, nesse reflexo do que muita gente vai ser ver um dia, se já não se viu ou está se vendo.
Ah, mas talvez isso seja uma história de amor afinal: de se amar.
Então, eu recomendo. Talvez esse livro não seja o que você espera, mas o que você precisa.
P.S. E a felicidade? Ela não é uma bobagem.


quinta-feira, 8 de abril de 2021

Livro Os humanos

 

Sua vida tem 25 mil dias. Trate de lembrar-se de alguns deles

Esse livro não era o que eu esperava. O que foi erro meu, realmente. Eu já li outros livros de Matt Haig, deveria saber o que estava me esperando quando começasse a ler.

Eu demorei para escrever essa resenha por me sentir incapaz de expressar com exatidão o que ele fez comigo, e para ser sincera, ainda não sei se consigo. Porque esse livro foi o tipo de leitura que consegui a façanha de ler no momento exato em que precisava. Os conselhos para Gulliver (vocês vão ver) foram coisas que eu já sabia, mas que só alguém de fora poderia enxergar e dar a importância necessária para falar o óbvio que tantas vezes esquecemos. É preciso se afastar para ver a grande figura, e nada mais afastado do que um alien, não é verdade?

Deve ser incrível conseguir ver o que temos com os olhos de um turista, porque muitas vezes não valorizamos o que temos, ou vemos nossas falhas. E por isso esse livro é tão maravilhoso: ele nos mostra o quanto podemos ser ridículos, que não somos únicos, ao mesmo tempo que fala sobre a completa impossibilidade que foi nossa criação. E o quanto isso é finito ou, como diz Ari, somos "Apenas uma mijada no meio da madrugada." Porém, é isso que faz a vida ser especial, é por isso que não podemos a desperdiçar.

É nossa mortalidade que faz necessário se aproveitar cada segundo.

Somos tão insignificantes como uma impossibilidade, e um não exclui o outro.

Então, é. Leiam esse livro. Principalmente nesse momento, em que precisamos desses conselhos mais do que nunca.

P.S: Quando alguém aprende a amar em razão de um cachorro, sabemos que não é má individuo.

Link do Amazon, para quem se interessar pelo livro.

Livro O fundo é apenas o começo

                                                               

 


 O ponto mais profunda do planeta
Verdade seja dita, inicialmente esse livro me deixou confusa, já que ele é escrito pela perspectiva de alguém que aos poucos vai entrando em um surto. No entanto, eventualmente tudo faz sentido e a leitura se torna algo maravilhoso.
Sobre o tema, é muito raro encontrar um livro que trate sobre doença mental com tanto respeito e sensibilidade, por isso não me surpreendeu ao chegar ao final e descobrir que o autor tem experiência íntima com isso através do filho. Quem viveu no olho do furacão sabe como funciona.
Desde a familiaridade com a negação, a confusão, a procura de pistas que pudessem ter evitado algo irremediável. Mais que tudo, um trecho em especial ficou comigo, em que o personagem aponta como garotos mortos são postos em pedestais, mas garotos com doenças mentais são varridos para debaixo do tapete. É necessário mais visibilidade, e esse livro entrega isso.
Por fim, se você pensa em ler esse livro, eu recomendo demais que dê uma chance a ele, mesmo ficando confuso no começo, porque vale a pena. Esse livro mereceu cada prêmio que recebeu

Link da Amazon  para quem se interessar pelo livro.

sábado, 19 de setembro de 2020

Infecção

 A forma como eu assimilo um dano é muito louca.

Eu nunca processo de imediato, por isso a primeira reação sempre é muito fria, como se não tivesse sido nada. 

Dependendo do que for, eu consigo fazer o que for preciso no piloto automático até o pior da situação passar. 

Geralmente, só então, eu começo a processar. Sozinha.

E a primeira reação nunca é tristeza, mas ficar puta. Com raiva. Mas é aquela raiva silenciosa, a mais perigosa. E se não tem ninguém a quem direcionar a raiva, eu internalizo.

(Como resultado eu, no fundo, estou sempre com raiva. Tem raiva de anos que nunca deixei sair. Meus dentes se desgastam, meu músculo masseter hipertrofia, minha atm se fode. Sempre que um pouco daquilo sai, meu coração parece que vai sair pela boca. É tanta raiva que tem que sair de alguma forma. )

Chorar é a última parte do processo, mas é tão reprimido que passa em menos de um minuto e fica aquela sensação de que você começou a drenar um abscesso e parou no meio do caminho. Saiu um pouco da secreção, você sutura e manda para casa. Sem dreno, sem tirar tudo. Aquilo infesta dentro de vocês, deixa de ser local e vai invadindo outros tecidos. Sistematiza. 

Meu ciclo de dano sempre fica incompleto. 

Eu tenho a sensação que se for fazer terapia, que se um dia me abrirem para cuidar dessa infecção, eu vou me desmanchar em pus.


Lorem K Morais


quarta-feira, 8 de julho de 2020

Ataque de pânico


Tem um corvo me seguindo na rua, sumindo na periferia na minha visão.
Agora entendo Edgar Allan Poe, agora entendo.
‘Oh filha, ontem pensei que iria morrer durante o sono,
Meu coração faltou parar.’
Não me preocupei tanto quanto deveria.
‘Oh filha, esqueci como é ser gente,
Talvez eu seja também um corvo
Sumindo na visão de todo mundo.’
‘Por que não respondeu a mensagem?’
‘Meu telefone está quebrado.’
Tudo para não dizer a verdade.
O quanto estou engasgada e sufocando.
O corvo me contou que vou morrer,
Não me preocupei tanto quanto deveria.
É possível se afogar em ar?
Eu não sabia até então.
Talvez seja um astronauta sem meu capacete,
A terra nunca foi minha casa.
Onde é minha casa?
Alguém está batendo na porta do banheiro, era 3 da madrugada
Agora já é manhã.
Perdi horas conversando com o corvo.
Eu não sabia que era possível se afogar fora da água,
Mas o corvo me contou que não é tão raro.
Ele também me disse que eu iria morrer
Não me preocupei tanto quanto deveria.


[Lorem K Morais]



terça-feira, 16 de junho de 2020

Catarse


Tem um monstro que mora debaixo da minha cama.
Ele nunca sai durante o dia, pois ele teme a luz mais do que tudo. Sempre que tento o convencer a sair, ele se retorce e geme, se encolhendo para o canto mais afastado da parede.
O monstro debaixo da minha cama está sempre sentindo alguma coisa. Há noites em que ele chora de forma copiosa, reclamando da minha apatia com seu sofrimento enquanto tento dormir.
"Saia daí então."
Seus olhos, vermelhos e chorosos me olham de forma acusatória.
Olhando assim, ele nem mesmo parece tão grande ou assustador.
Só quando ele rasteja para fora, se aproveitando do escuro, eu consigo ver quão grande ele é, o quanto ele cresceu nos últimos tempos.
No escuro, ele prospera.
O monstro debaixo da minha cama diz que está sempre com raiva, e é a raiva que o faz chorar. É um sentimento constante e sem direção, sem um alvo. Ela fez residência em seu corpo, como o monstro fez residência debaixo da minha cama.
Quando a raiva aflora eu não consigo dormir, tentando impedir que o monstro grite.
Eu abafo sua voz, o empurro para baixo da cama.
"Se não ficar quieto, eu te jogo para a luz."
Sempre funciona, ele sempre se cala.
Eu consigo ser muito cruel com meu monstro.
O monstro debaixo da minha cama está sempre procurando alguma coisa.
Ele fuça meu quarto no meio da noite, jogando os papéis da mesa e me atrapalhando quando tenho que estudar. Ele bebe meu café e se pendura nas paredes, me pedindo para contar mais uma vez aquela velha história, sobre como a culpa é minha sobre tudo.
O monstro debaixo da minha cama e eu temos uma relação estranha de amizade. Uma amizade abusiva, em que o chuto para debaixo da cama e ele grita todas as minhas culpas e fala todos os meus medos.
"Está tudo bem." Ele sorri. "Podemos falar disso no escuro, ninguém vai saber."
Ele muda de rostos, tentando me fazer chorar, mas é ele que sempre chora.
Eu não choro há anos, nem sei se consigo mais chorar. Mas o monstro insiste.
O monstro debaixo da minha cama tem piedade de mim, esses dias ele me pediu para o deixar sair na luz.
"Se você sair, você vai morrer."
"Eu sei, mas não tem mais espaço aqui embaixo. Você me deixou crescer demais."
Eu não quero deixar meu monstro ir.
O monstro debaixo da minha cama se arrastou para a luz. Sua raiva fazendo as paredes tremerem, seu choro encharcando o quarto, em um rastro pelo caminho.
Fascinada, eu o vejo se encolher, o seguindo pela porta.
A luz do sol faz meus olhos lacrimejarem, depois de muito tempo.
Eu tento lembrar se é a mesma sensação de chorar.
Finalmente o monstro consegue soltar sua raiva em um grito, antes de finalmente desaparecer.
Quando retorno para o quarto, ainda ouço o eco dos gritos.
Eles se parecem com os meus. 
Lorem K Morais
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